quinta-feira, 12 de abril de 2012

Araguaia: sepultar para curar a ferida


Há 40 anos, 69 militantes comunistas, muitos jovens, combateram o Exército Militar no interior do Pará, atual Tocantins. De lá nunca saíram vivos. Pior. Somente dois corpos foram identificados. Até hoje, familiares esperam enterrar seus mortos. “Passaram de sujeitos comuns para sujeitos políticos”, diz em entrevista aoVermelho, a historiadora Deusa Maria de Sousa, que mergulhou nesse universo de dor, angústia, incerteza e espera

(foto internet)
Com base em depoimentos de 25 dessas famílias, ela defendeu seu doutorado “Lágrimas e lutas: a reconstrução do mundo de familiares de desaparecidos políticos do Araguaia”, no final de 2011. O estudo é fruto de 12 anos de pesquisa sobre o tema.

A pesquisadora piauiense Deusa de Sousa, que há 15 anos mora em Novo Hamburgo (RS), atua como consultora Unesco no Grupo de Trabalho Araguaia (GTA), da Comissão Especial Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, ligada à presidência da República. O GTA tem a incumbência de sistematizar informações já coletadas ou captadas a partir de fontes diversas, como depoimentos e reportagens, para rastrear os locais onde foram enterrados ou simplesmente deixados os corpos. Também fazem parte da comissão, representantes dos ministérios da Defesa, Justiça, da Secretaria de Direitos Humanos, dos familiares dos desaparecidos e do PCdoB, partido que organizou a guerrilha para enfrentar a ditadura instalada no país desde 1964.

Na conversa, Deusa Maria de Sousa revela quais os meios encontrados por parentes e amigos para conviver com o luto jamais superado. Muitos se afastaram do tema, outros se engajaram na luta pelos direitos humanos, e há os que mantém uma relação com o PCdoB e suas bandeiras, tão defendidas por seus entes queridos. Para amenizar o sofrimento, mães e pais se tornaram amigos e confidentes, formando uma rede de solidariedade. Na avaliação de Deusa de Sousa, a Comissão da Verdade pode contribuir para a elucidação de tantos mistérios e desinformações e, de alguma forma, aliviar a dor desses parentes. “A Guerrilha do Araguaia será a grande pauta da Comissão da Verdade”, afirma. 

A Guerrilha do Araguaia foi instalada ao longo do Rio Araguaia, no final da década de 1960 e início dos anos 1970, encabeçada por homens e mulheres militantes do PCdoB, muitos deles líderes estudantis. Também contou com a participação de trabalhadores rurais do local. Para derrota-los, o Exército precisou de três campanhas militares, sucessivas. Em uma delas, chegou a mobilizar cinco mil soldados.

Em novembro de 2010, a Corte Interamericana de Direitos Humanos manifestou-se sobre algumas ações movidas por familiares de desaparecidos. Como no caso do estudante de arquitetura Guilherme Gomes Lund, que teve origem em uma petição apresentada em 1995 pelo Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e pela Human Rights Watch/Americas, em nome de pessoas desaparecidas, em 1972. Na época, a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos e o Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro atuaram como peticionários adicionais.

A sentença da Comissão Interamericana é clara: condena o Estado Brasileiro a reparar a situação, imediatamente, com uma série de ações para localizar os corpos, além da abertura de arquivos, assim como reparações às famílias das vítimas. Ainda de acordo com a condenação, o Estado deve adotar medidas judiciais efetivas para a responsabilização individual pelos crimes cometidos, como resgatar os fatos ocorridos.

Uma carta deixada por Gomes Lund, a seus pais, quando trocou a luta na cidade pela luta no interior do país, resume o objetivo dos militantes em relação à ação planejada naquela região: “Cada vez se torna mais difícil para os jovens se manterem nesse estado de coisas atual. Não há perspectivas para a maioria dentro do atual status, muito menos para mim que não consigo ser inconsciente ou alienado a tudo que se passa em volta ... Minha decisão é firme e bem pensada... No momento só há mesmo uma saída: transformar este país, é o próprio governo que nos obriga a ela. A violência injusta gera a violência justa. A violência reacionária é injusta enquanto a violência popular é justa, porque está a favor do progresso e da justiça social”.

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